“Mas permiti-nos dizer …: vossa doutrina parou na beira do abismo. Não ousou descer às causas fundantes da injustiça… Condenou a luta de classes, sem compreender que, para muitos, ela não é opção, mas condição imposta. Optou por harmonia sem conflito, reconciliação sem reparação, caridade sem transformação.”

Maio 8/25 – Rosenil Barros Orfão

No dia de hoje, fostes eleito sucessor de Pedro. A vossa chegada ao trono pontifício ocorre num tempo em que os gritos da Terra e dos pobres já não podem mais ser abafados com incenso. Em vossa mão repousa a cruz dos crucificados da história — os trabalhadores precarizados, os povos indígenas dizimados, as mulheres silenciadas, os corpos racializados, a juventude órfã de futuro. Diante de vós, o desafio não é apenas guiar a barca da Igreja, mas ouvir o clamor dos que sequer foram admitidos na margem da história oficial.

Viemos, por esta carta, vos saudar com esperança e inquietação.

O espírito da Rerum Novarum: o que nos ensinastes

Em 1891, vosso predecessor Leão XIII teve a coragem de dar nome ao escândalo da exploração. A Rerum Novarum foi um sopro profético numa era em que o trabalho era tratado como mercadoria e o pobre como resíduo. Com ela, aprendemos que a justiça social não é adorno doutrinário, mas exigência evangélica. Que o salário deve ser justo. Que o trabalhador não é servo do lucro. Que o Estado tem responsabilidade para com os que nada têm.

Foi ali que nasceu o corpo doutrinal que veio a ser chamado de Doutrina Social da Igreja. E nela ainda buscamos refúgio e horizonte.

Os limites estruturais: o que não foi dito

Mas permiti-nos dizer, com o respeito dos que não se calam: vossa doutrina parou na beira do abismo. Não ousou descer às causas fundantes da injustiça. Não reconheceu o materialismo histórico dialético como instrumento legítimo para compreender as raízes da opressão. Condenou a luta de classes, sem compreender que, para muitos, ela não é opção, mas condição imposta. Optou por harmonia sem conflito, reconciliação sem reparação, caridade sem transformação.

Enquanto isso, a propriedade privada dos meios de produção seguiu sendo santificada, mesmo quando se erguia sobre o sangue e o suor dos povos. A pobreza foi tratada como ocasião de virtude, e não como resultado de um sistema que nega humanidade.

A voz dos povos: o clamor das periferias da história

Hoje, os povos da Terra se levantam com a sabedoria que vem das raízes. Não cabem mais nas catedrais os tambores dos terreiros, as danças dos quilombos, os cantos das florestas. A espiritualidade do povo — mestiça, comunitária, insubmissa — exige um novo diálogo. Exige escuta e descolonização.

As comunidades eclesiais de base, as pastorais do campo e da cidade, os movimentos populares e os mártires da fé que tombaram em nome da justiça — todos estes vos dizem: não há mais tempo para conciliações com o opressor. Ou a Igreja assume a luta, ou será tragada pela história como cúmplice silenciosa.

Por uma nova encíclica: De Re Existentia

Clamamos por uma nova palavra, Leão XIV. Uma nova encíclica — que não se chame apenas Das Coisas Novas, mas Das Coisas Existentes e Resistentes (De Re Existentia). Que proclame a urgência da justiça estrutural, da redistribuição, da reparação histórica. Que reconheça o valor da luta como expressão de amor aos pobres. Que veja no marxismo não um dogma, mas um instrumento útil à análise da realidade. Que acolha o feminismo, o ecologismo, o antirracismo como sinais dos tempos.

E que diga, sem medo, que Jesus não foi um conciliador, mas um revolucionário do amor radical.

Fé que luta, amor que transforma

Vos saudamos, Leão XIV, não com palavras de submissão, mas com fé inquieta e amor indômito. Que este início de vosso pontificado seja também início de um novo diálogo com os povos das periferias, com os trabalhadores do mundo e com os que lutam por justiça, dentro e fora da Igreja. Que vossa Igreja se abra às lutas do presente e às sabedorias do passado não reconhecido. Que a cruz que carregais seja também a pá que cava os alicerces de um novo mundo. E que vossas palavras alimentem os que têm fome de pão, de terra e de justiça.

“Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.” (Mateus 5,6)

Com fé e luta,

 Pelos pobres da Terra, pelos mártires do povo, pelos sonhos ainda não realizados.

Tem Luta

Sigamos!!