9/6/25.  “A Festa do Divino seguirá, com suas cores e tambores.
Mas enquanto a exclusão continuar batendo à porta — e sendo ignorada — o grito seguirá na parede.”                               Rosenil Barros Orfão

Todo ano, a cidade se veste de festa.
O Divino Espírito Santo desce do céu para caminhar com o povo, entre fitas, bandeiras, tambores e promessas.
Os palmitos entram em cortejo.
Não apenas folhas, mas símbolos.
Entram os lavradores com seus chapéus gastos pelo sol e a força da terra nas mãos.
É a ancestralidade dos corpos, a fé encarnada na cultura, a inculturação da esperança.

Mas há um traço que permanece, mesmo quando as bandeiras são recolhidas.
Um traço que não se dissolve nas águas da procissão.
Está lá, na parede da catedral. Uma pichação! Uma escrita anônima, rude, talvez marginal — mas viva.
Não foi feita no dia seguinte a um episódio específico.
Não foi um protesto direto.
É mais profunda.
É uma marca que fica.

Dizem que houve um tempo — ou muitos — em que o templo fechou suas portas aos corpos cansados.
Que em plena Festa do Divino, quando os fiéis buscaram abrigo, banheiro, dignidade, encontraram não acolhimento, mas recusa.
O sagrado não abriu a porta para o sagrado que mora no outro.

A pichação, então, não é resposta imediata. É ferida exposta.
É sintoma da separação entre o altar e a calçada.
É a rebeldia que persiste porque a exclusão persiste.
Porque quando o templo se torna refúgio apenas dos afogados — e não dos sedentos, nem dos famintos, nem dos peregrinos — algo se rompe.

Será que o significado da existência se perdeu quando a catedral deixou de ser casa?

O gesto do povo, ao trazer o fruto da terra, é também gesto de entrega de si.
Mas o que acontece quando essa entrega não é acolhida?

A pichação grita.
Grita porque a tinta virou a única linguagem possível.
Grita porque há muros demais e ouvidos de menos.
Grita porque, às vezes, é preciso rasurar a parede para lembrar que ali também há um povo que resiste.

A Festa do Divino seguirá, com suas cores e tambores.
Mas enquanto a exclusão continuar batendo à porta — e sendo ignorada — o grito seguirá na parede.

Mesmo que tentem apagá-lo.